Jéssica Maes – Folha de S. Paulo
Transpor fronteiras e usar cursos d’água como instrumento para reconectar e proteger ecossistemas da América do Sul. O objetivo ambicioso é da Iniciativa Rios da Onça-Pintada, que pretende criar corredores ecológicos ao longo de 2,5 milhões de km² em um polo de biodiversidade que passa por Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai.
Lançado nesta quarta-feira (24), em evento da Semana do Clima de Nova York, o projeto busca trazer de volta espécies-chave, fortalecer comunidades locais e incentivar a criação de áreas protegidas, tanto públicas como privadas, na bacia do rio Paraná. A ideia é usar os rios Paraguai, Iguaçu, Paraná, Pilcomayo e Bermejo e as florestas que os cercam como conectores onde os animais possam circular e buscar refúgio.
A área abrangida pelo projeto será de 1,2 milhão de km² no Brasil, concentrada no pantanal, em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, e na mata atlântica, no Paraná —região onde a onça-pintada está criticamente ameaçada.
No Brasil, ocorre em quase todos os biomas (exceto o pampa), mas, nos últimos 27 anos, estima-se que a sua população tenha caído 30% —e um declínio equivalente pode ser projetado para as próximas três décadas. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) classifica a onça-pintada como vulnerável à extinção.
Entre as principais ameaças à espécie estão a perda e fragmentação de habitat associadas à expansão agrícola, mineração e obras de infraestrutura e energia, além da caça.
Predadoras do topo da cadeia alimentar, as onças precisam de um território grande, ocupando uma área de 10 km² a 260 km² ao longo de sua vida, de acordo com o ICMBio —o que exemplifica a importância de evitar a fragmentação de ecossistemas.
Os corredores da iniciativa na mata atlântica serão localizados na região do Parque Nacional do Iguaçu, na fronteira de Brasil e Argentina.
“Ali existe uma boa população de onça, mas elas estão ‘confinadas’ a esse parque. Vários estudos mostram que isso é um grande problema para a diversidade genética das onças”, diz Haberfeld. O plano é criar um corredor até outras áreas de conservação, especialmente argentinas, para ampliar a troca de genes.
Esse modelo privado de unidade de conservação oferece vantagens fiscais aos proprietários, além de ser permitido o uso da área pesquisas científicas e visitação com fins turísticos e educacionais.
“É importante também envolver a população local, sejam indígenas ou ribeirinhos, e criar uma economia de natureza, com ecoturismo ou outras atividades, para que essas populações se beneficiem da iniciativa”, ressalta.
Embora a onça-pintada seja o símbolo do projeto, o objetivo é restaurar a biodiversidade como um todo. Entre as espécies-chave estão também ariranhas, antas, cervos-do-pantanal e aves dispersoras de sementes, essenciais para a regeneração de habitats.
Ali o foco da atuação deve ser a prevenção de incêndios florestais, com os quais o bioma vem sofrendo cada vez mais, à medida que as secas na região se intensificam e se prolongam.
Os recursos para a execução do projeto devem vir de uma campanha de financiamento privado. Segundo os organizadores, já há compromissos de doadores brasileiros, como a família Bracher, e estrangeiros, de US$ 28 milhões (cerca de R$ 150 milhões). O valor corresponde a aproximadamente um terço do orçamento operacional para os primeiros três anos.