A prisão do prefeito de Terenos, Henrique Budke (PSDB), revelou que a licitação, que deveria dar lisura aos certames e derrubar os valores de obras públicas, não passa de um jogo de faz de contas, ou “coisa para inglês ver”.
Uma série de evidências neste sentido aparece no documento em que o desembargador Jairo Roberto de Quadros, do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), determinou a prisão do gestor e a devassa nas contas da Prefeitura de Terenos e de outras 58 empresas e pessoas físicas.
Ainda em 2021, durante os preparativos para reforma da Escola Municipal Rosa Idalina Braga Barboza, empreiteiros interessados na obra combinaram com o próprio prefeito uma série de detalhes sobre o projeto muito antes de sair a licitação.
O principal deles era sobre o preço. Um destes empreiteiros sugeriu R$ 2 milhões. O prefeito entendeu que era demais e sugeriu em torno de R$ 1 milhão. “Consta que a proposta que se sagrou vencedora foi de R$ 1.123.417,39, da empresa Angico Construtora e Prestadora de Serviços Ltda, de propriedade do investigado Sandro José Bortoloto”.
Aparentemente ocorreu uma licitação entre as empresas Angico, Bonanza e Tecnika, porém, o proprietário desta terceira recebeu R$ 15 mil somente para que apresentasse uma proposta superior àquela que já havia sido combinada com o prefeito, aponta a investigação.
E, para que não houvesse algum erro, “Cleberson ficou responsável pelo preenchimento das propostas, da sua e da suposta concorrente, inclusive com papel timbrado da empresa alheia”.
Essa prática de uma empresa preencher a proposta das demais concorrentes está longe de ser um caso isolado, aponta a investigação. “Aliás, do que consta nas investigações, utilizavam desse expediente como praxe, eis que as empresas detinham entre si folhas timbradas uma das outras, para supostamente facilitar a consecução ilícita do esquema”, diz a investigação.
Na concorrência para a reforma da escola, o proprietário da empresa Tecnika Construção, de Rinaldo Cordoba de Oliveira, recebeu somente R$ 15 mil para simular a participação do certame. Mas ele posteriormente seria contemplado com um contrato melhor.
Sua empresa “sagrou-se vencedora do Pregão nº 006/2024, para contratação de prestação de serviços de recapeamento asfáltico em área urbana, no valor de R$ 1.850.000,00. Com efeito, no dia 11/06/2024, um dia antes do julgamento da referida licitação, Rinaldo teria instado Sandro a fornecer uma proposta “cobertura”, e assim Sandro teria dado suporte a Rinaldo, no sentido de direcionar referido certame”, diz trecho da investigação.
A investigação cita uma infinidade de concorrências públicas em um explícito jogo de cartas marcadas e em praticamente todas elas. E, de acordo com os investigadores, o prefeito tucano exigia o pagamento de propina em todas.
Na reforma da escola da colônia Jamic, por exemplo, sagrou-se vencedora a empresa Angico, pelo valor de R$ 2.788,662,40. Depois dos aditivos, porém, o custo final somou R$ 3.364,085,05, apontou a investigação.
“No que se refere à corrupção do Prefeito, a propina supostamente solicitada e recebida por Henrique oriunda da fraude à Tomada de Preço 006/2022 teria totalizado a quantia de R$ 255.000,00, ou seja, aproximadamente 7,5% do valor total da obra licitada”, relatou a promotoria citando a tomada de preços relativa à escola instalada na colônia japonesa.
O empresário tinha até uma planilha onde constavam os valores e as datas de pagamento. Por isso, MPE concluiu que “o grupo teria fraudado e direcionado a Tomada de Preços 006/2022, sob a liderança do Prefeito Henrique, e com a participação pessoal e direta do então Secretário de Obras de Terenos (Isaac), junto com os empresários Sandro e Cleberson, sendo que, posteriormente, teria se providenciado a contrapartida em forma de propina ao Prefeito, cujos valores foram encaminhados à empresa de Eduardo Schoier, que funcionaria como “testa de ferro” de Henrique”.