Uma reportagem especial dos jornalistas Lindauro Gomes, Lucas Valença e Petronilo Oliveira, do Jornal de Brasília, revela o perigoso envolvimento do ex-jogador de futebol brasileiro Ronaldinho Gaúcho, que está preso há mais de um mês no Paraguai com o irmão Roberto Assis Moreira por porte de documentos falsificados do país vizinho, com o submundo do jogo no Brasil.
Segundo a matéria jornalística, a Polícia do Paraguai já teria pistas sobre o porquê da polêmica viagem do ídolo milionário ao país vizinho e essas informações apontam para a relação do jogador com integrantes do jogo clandestino no Brasil, incluindo “Carlinhos Cachoeira”, de Goiânia (GO).
Acostumado aos holofotes dentro e fora dos campos, Ronaldinho Gaúcho aventurou-se em jogadas arriscadas e ilegais ao se utilizar de um de seus imóveis, um prédio no Bairro de Ipanema, na cidade de Porto Alegre (RS), para fomentar o jogo ilegal na cidade gaúcha. O local foi o elo de aproximação do ex-camisa 10 da Seleção Brasileira e do Barcelona com empresários da jogatina brasileira, que o transformaram em garoto propaganda do jogo de azar no Brasil.
Ronaldinho também é embaixador do Turismo no governo Bolsonaro, mas são os famosos bicheiros que utilizam do nome do ex-craque para expandir os negócios clandestinos a outros países. Vale lembrar que durante a prisão do brasileiro no Paraguai, desde o dia 4 de março, uma luz amarela foi acesa no Palácio do Planalto.
O então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que recentemente deixou o governo em meio à polêmica, chegou até mesmo a ligar para autoridades paraguaias para entender a real situação do brasileiro diante do escândalo no país vizinho.
Dois documentos obtidos pelo Jornal de Brasília, um registrado em cartório e outro do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mostram que Ronaldo de Assis Moreira, famoso pelo apelido de Ronaldinho Gaúcho, está registrado como sendo o responsável pelo local onde acontece a atuação ilegal de uma empresa chamada de Winpoker, que funciona clandestinamente na capital gaúcha.
Informações obtidas pela reportagem vinculam o ex-jogador de futebol e seu irmão, o empresário Roberto de Assis Moreira, às atividades ilegais e também a dois familiares que atuam ou atuaram no estabelecimento. Conhecida como Dona Dida, a tia do jogador é a responsável pelas refeições dos clientes e já chegou a ser vista algumas vezes no ambiente com a mãe do ex-atleta, Miguelina Elói Assis dos Santos. Um dos primos, que deixou de trabalhar no investimento, exercia a função de porteiro.
Só que antes de virar ponto para o jogo de azar, o prédio, registrado em seu nome, já chegou a sediar uma boate, a Planet Music Hall, que valorizava grupos de samba, onde os irmãos Assis Moreira eram os responsáveis pela diversão do público presente. Tempos depois, a gestão da casa noturna foi passada para terceiros, mas o aluguel ainda era cobrado pelos irmãos.
Em 2013, após a tragédia da Boate Kiss (que vitimou 242 pessoas em um incêndio), o espaço foi fechado pela ausência do alvará do Corpo de Bombeiros. Ronaldinho Gaúcho, no entanto, é tido como “sócio oculto” da nova atividade por integrantes da Polícia Civil do estado. A Winpoker, ainda ativa no CNPJ 30.708.638.0001/42, está registrada no endereço Avenida Eduardo Prado 55, a cerca de 200 metros de onde funcionou uma antiga casa de jogos nomeada de Winfil que, quando inaugurada, não procurou esconder sua atuação irregular.
O local chegou a ser fechado após duas operações da Polícia Civil, sendo uma em conjunto com o Ministério Público do Estado. Na época, foram apreendidas cerca de 400 máquinas caça-níqueis na estrutura de 5,6 mil metros quadrados. Um bingo e outras formas de apostas ilegais também funcionavam na instalação.
Quando a Winfil abriu, lembrou uma fonte ligada ao Ministério Público, os donos da casa fizeram “um certo estardalhaço” na inauguração, alegando uma suposta decisão judicial favorável. O documento, no entanto, não impediu a atuação dos órgãos de investigação que atuaram contra a atividade. “Normalmente abrem de forma bastante discreta, mas dessa vez chegou a ser diferente. Comemoraram uma liminar que tratava do Jóquei Clube de Carazinho (RS) para abrir a casa de diversão, o que não tinha relação. Os donos do local, à época, já eram alvo de investigações do MPRS”, afirmou a fonte ao Jornal de Brasília.
Atualmente o jogo ilegal funciona nos fundos do estabelecimento do ex-atleta Ronaldinho. Ou seja, é de forma clandestina que operam os donos do novo empreendimento chamado de Winpoker. A nova empresa está registrada no nome de Amir Ibrahim Karam, que trabalhava como gerente. Só que depois da consolidação da atividade, o empresário passou a comandar a jogatina à distância, mas nunca largou as idas esporádicas. Só que Amir não é um mero gerente, mas um dos gestores de um grande esquema de jogos de azar que se conecta com o Centro-Oeste brasileiro.
Amir possui formalmente em seu nome três outras empresas, todas em Goiás, estando uma delas “inapta” com processos na justiça goiana. Só que o empresário é gestor de uma rede de jogos ilegais em Goiânia (GO). Além de ser dono de várias casas com máquinas caça-níqueis, escondidas na cidade, Amir possui uma grande estrutura construída nos fundos de uma garagem de automóveis no Setor Aeroporto, Rua 17-A, 1120.
Fachada da casa de poker no Goiás
Com valores altíssimos nas apostas de poker e outros jogos de mesa, o local com uma fachada chamativa reúne semanalmente os maiores jogadores do estado. Uma dessas “personalidades” é Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira, tido por um membro próximo ao grupo como o possível responsável pela expansão do negócio de Amir ao RS.
O nome Cachoeira, no entanto, já se viu envolvido em escândalos políticos e econômicos como o revelado pela Operação Monte Carlo em 2012, da Polícia Federal, que levou à cassação o senador Demóstenes Torres; e pela Operação Saqueador em 2016, que o levou à cadeia por suposta lavagem de dinheiro. Conhecido como possivelmente ser um dos bicheiros mais poderosos do país, Carlos Ramos, tem ‘aconselhado’ Amir na expansão para as terras gaúchas.
Algumas autoridades públicas do Rio Grande do Sul, procuradas pela reportagem, confirmaram a atuação clandestina do representante goiano, mas desconheciam suas ligações interestaduais. Um dos braços mais fortes do bicheiro goiano está em São Paulo, cidade onde, há alguns anos, vendo que familiares passaram a se envolver com máquinas de jogos, Cachoeira construiu uma aproximação com a família Ortiz, comandada à época por Alejandro Ortiz.
Segundo o relatório final da CPI dos Bingos no Senado, de 1430 páginas, divulgado em junho de 2006, o empresário, ficou conhecido como o responsável por trazer ao país as primeiras máquinas caça-níqueis N90 da Itália. Com o passar do tempo, um possível esquema de lavagem de dinheiro cresceu com a utilização das máquinas e o negócio ilegal se expandiu ao Rio de Janeiro, quando um representante da família Ortiz, Renato Andrade, se associou a um operador de loterias ilegais da cidade e presidente de honra da escola de samba Beija-flor de Nilópolis, Anísio Abraão David.
“Na ação, figuram como réus alguns dos principais controladores de bingos e cassinos caça-níqueis no País. Entre eles destacam-se os espanhóis Alejandro Ortiz de Viveiros e seus filhos Alexandre Ortiz Viveiros e Johny Ortiz Viveiros, do chamado Grupo Ortiz”.
O negócio, no entanto, já se expandiu para o exterior e um dos países onde exercem influência é justamente o Paraguai, onde os irmãos Assis Moreira chegaram a ser presos no dia 4 de março deste ano (2020) por terem sido apreendidos, segundo a justiça paraguaia, com passaportes falsos. A prisão preventiva chegou a ser decretada, mas no dia 7 deste mês (abril), os dois foram transferidos para o regime domiciliar e se instalaram em um hotel em Assunção. O valor da fiança foi de US$ 1,6 milhão, cerca de R$ 8 milhões.
Só que há a suspeita de investigadores brasileiros de que os documentos recolhidos faziam parte da estratégia para a expansão do grupo no país vizinho. Os passaportes, neste caso, seriam utilizados para possivelmente registrar a família Assis Moreira como representantes de cassinos paraguaios.
Segundo jornais brasileiros e do país vizinho, investigadores em Assunção recolheram os celulares de Ronaldinho e do irmão para apurar se o ex-jogador faz parte de uma organização criminosa que funciona na lavagem de dinheiro e/ou na falsificação de documentos.
Só que no meio da confusão que envolve o nome Assis Moreira, duas outras pessoas chegaram a ser investigados pela Polícia e pelo Ministério Público paraguaio. As autoridades do país analisam se Dalia López seria a responsável pela elaboração dos documentos adulterados e também averiguam a participação do empresário Nelson Luiz Belotti, também anfitrião de Ronaldinho no país, no suposto esquema. Belotti é dono de um cassino na cidade de Lambaré chamado de Il Palazzo. O estabeleimento é justamente o hotel onde o ex-futebolista se hospedou antes de ser preso.
Este ano, Ronaldinho Gaúcho chegou a virar réu em um processo cível que avalia o envolvimento do ex-jogador em um possível esquema de pirâmide de criptomoedas onde o ex-atleta aparecia como garoto propaganda. A ação de R$ 300 milhões foi instaurada na justiça do Goiás, onde cerca de 150 investidores se dizem lesados.