Dois anos depois, crime de mais de 1 milhão de dólares na fronteira ainda continua enigmático

Conhecido por muitos como apenas um próspero empresário do ramo de pneus e perfumes em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia que faz fronteira com Ponta Porã (MS), mas que na verdade era um poderoso narcotraficante, Jorge Rafaat Tounami, o “Rei da Fronteira”, que assumiu esse “título” depois que o traficante brasileiro Fernandinho Beira-Mar saiu de “circulação”, foi brutalmente executado no dia 15 de junho de 2016, há exatos dois anos, durante uma emboscada digna de um filme de Hollywood.

O crime teria custado mais de um milhão de dólares para os executores….

Com tiros de uma metralhadora de alto impacto, calibre .50, usada para derrubar helicópteros e até para parar carros de combate blindados, ele foi morto quando retornava para sua mansão, localizada em Pedro Juan Caballero, a bordo do seu SUV Hummer, blindado, mas que não foi suficiente para segurar os projeteis disparados pela potente arma utilizada em conflitos armados ao redor do mundo. A arma estava acoplada na parte traseira de uma camionete Toyota Hilux SW4, onde estavam os executores do Rafaat e, como os seguranças do traficante e empresário reagiram, houve tiroteio e pessoas de ambos os grupos ficaram feridas.

No entanto, passados 24 meses, as autoridades de segurança do Paraguai ainda não divulgaram informações oficiais sobre quem matou o “Rei da Fronteira” e a execução sumária continua sem respostas. Porém, extraoficialmente, o crime teria sido encomendado por Elton Leonel Rumich da Silva, 34 anos, mais conhecido como “Galã”, que assumiu o comando da facção criminosa brasileira PCC (Primeiro Comando da Capital) na fronteira do Brasil com o Paraguai e via em Rafaat um empecilho para o total domínio da região.

A outra hipótese é de que o traficante brasileiro Jarvis Chimenes Pavão, que na época cumpria pena no Paraguai, tinha se tornado o novo mestre do submundo na fronteira e mandou matar Rafaat porque ele estaria articulando a extradição do rival para o Brasil. Mesmo preso, Pavão continuava a controlando o tráfico de drogas do Paraguai para o Brasil, além de ordenar a morte de seus oponentes, e teria descoberto os planos de Rafaat para tirá-lo de circulação em parceria com as autoridades do país vizinho.

 

A terceira e mais improvável de todas as hipóteses por parte das autoridades paraguaias é a de que a morte de Rafaat teria relação com o fato de mafiosos italianos, cartéis mexicanos e colombianos, líderes brasileiros, produtores peruanos e bolivianos terem estabelecido uma espécie de cooperativa do crime organizado para continuar com os seus negócios de tráfico de drogas em escala global a partir do Paraguai e o “Rei da Fronteira” seria uma pedra no caminho, sendo necessário removê-la a qualquer custo.

 

O certo é que a morte de Rafaat continua um mistério por completo e deixou inúmeras perguntas sem respostas. Entre elas está o porquê de a Justiça Federal do Brasil não pedir a extradição dele já que Rafaat estava condenado a quase 50 anos de prisão por crimes em território brasileiro? Outro questionamento é porque a Justiça se calou em Mato Grosso do Sul e não responde a essa questão?

 

Além disso, cadê os 100 homens que a Polícia paraguaia disse que agiram no crime? Qual o desenrolar das investigações? O que as autoridades brasileiras e sul-mato-grossenses fizeram para melhorar a segurança e proteger a população na fronteira? Quem foi o mandante e custeou o crime? Como essa arma potente chegou a Pedro Juan Caballero? A verdade é uma só: quando o Estado é fraco, a bandidagem toma conta.

 

Curto reinado

 

Enquanto Pavão foi extraditado do Paraguai para o Brasil em 28 de dezembro do ano passado e cumpre pena no Presídio Federal de Mossoró, no Rio Grande de Norte, Galã foi preso no dia 27 de fevereiro no Rio de Janeiro (RJ), quando, tranquilamente, fazia uma nova tatuagem na perna em estúdio do Bairro de Ipanema. Ou seja, os dois prováveis responsáveis pela execução do “Rei da Fronteira” tiveram um “reinado” curto e deixaram a região sem um comando, o que pode transparecer que talvez ambos não sejam os verdadeiros responsáveis pelo crime cinematográfico.

 

A única certeza é que, como a retirada de circulação de Pavão e Galã, o fugitivo brasileiro Sergio de Arruda Quintiliano, mais conhecido como “Minotauro”, tornou-se o novo “patrão” da fronteira do Paraguai com o Brasil. O brasileiro, que tem uma carteira de identidade paraguaia em nome de Celso Matos Espindola, é supostamente um traficante ascendente de drogas que se estabeleceu em Pedro Juan Caballero com a intenção de monopolizar o mercado que ficou vago com a morte de Rafaat, extradição de Pavão e a captura de “Galã”.

 

Minotauro seria aliado de um paraguaio que era braço direito de Rafaat e, portanto, entende-se que a estrutura criminosa do falecido chefão tenha sido herdada pelo bandido brasileiro. O principal adversário do Minotauro na fronteira seria um chefão emergente, conhecido como Jonathan Cabeza, que seria ex-secretário de Jarvis Chimenes Pavão.

 

Quem foi Rafaat

 

Jorge Rafaat Toumani foi um poderoso narcotraficante para a Polícia Federal do Brasil, porém nunca se pode comprovar vínculos com o mercado de drogas no Paraguai e, por isso, circulava livremente pelo país vizinho. Ele foi processado pela Justiça brasileira quando tentou enviar do Paraguai 492 quilos de cocaína em agosto de 2004 e a operação foi abortada por agentes federais que interceptaram o enorme carregamento em 22 de agosto de 2004 em São José do Rio Preto (SP).

 

Com nacionalidade brasileira e conhecido pelo apelido de “Sadam”, Rafaat deveria responder à Justiça Federal de Campo Grande pelos delitos de formação de quadrilha, tráfico internacional e lavagem de dinheiro junto com, também narcotraficante Luiz Carlos da Rocha, mais conhecido como “Cabeça Branca”, um dos maiores traficantes da América do Sul, que foi capturado no dia 1º de julho de 2017, no município de Sorriso (MT), após ser descoberto que vivia na região escondido das autoridades.

 

Em junho de 2005, o então prefeito de Ponta Porã, Flavio Kayatt, e o secretário municipal de Obras, Helio Peluffo Filho, foram convocados para depor pela defesa de Rafaat. Segundo informações da inteligência antidrogas, Kayatt seria nada menos que compadre de Rafaat e seu depoimento foi requerido pela defesa do “Rei da Fronteira”, que representava para a Polícia Federal uma das peças chaves do tráfico de drogas na região.

 

Contraditoriamente, Rafaat tinha em Pedro Juan Caballero uma empresa dedicada à comercialização de pneus e assegurava ser simplesmente um “próspero empresário”. Há muitos anos, em maio de 2001, um grupo de pistoleiros atacaram com metralhadoras as instalações de sua empresa, o que desatou uma ampla investigação das forças antidrogas para descobrir as reais atividades que se dedicava Rafaat na fronteira. As informações obtidas revelaram que Rafaat tinha aspirações de “herdar” o esquema instaurado pelo “Rei das Drogas”, Fernandinho Beira Mar, a partir dos contatos que logrou estabelecer com referência ao cartel colombiano de cocaína, na fronteira com o Brasil.

 

Em agosto de 2014, o empresário de 55 anos, que foi identificado pela Polícia como o dono da carga de 847 quilos de cocaína apreendida nesse ano em Puerto Fénix, afirmou ser vítima de uma perseguição. Negou a ligação com a mercadoria confiscada e anunciou uma guerra contra os agentes federais. Nesse momento, afirmou que não tinha nada a esconder e atribuiu o feito a uma tentativa de ligá-lo ao narcotráfico.

 

Porém, no mesmo ano, o advogado Óscar Raúl Acuña Núñez, defensor de Rafaat, confirmou a condenação que o seu cliente recebeu no Brasil a 47 anos de prisão, entretanto, alegou que ele responderia à pena em liberdade por uma apelação da sentença. O nome do empresário apareceu em um áudio feito pela Polícia depois da apreensão de uma grande carga de droga que iria ser enviada à República Democrática do Congo, na África, em sacos de arroz.

 

Contudo, a mercadoria foi interceptada momentos antes de ser embarcada. A cocaína confiscada foi avaliada em US$ 70 milhões no mercado africano, onde geralmente os traficantes misturam a droga com outras substâncias para aumentar seu volume e preço. No famoso áudio se ouvia a conversa mantida entre o traficante Ezequiel de Souza com os senadores Arnaldo Giuzio, Arnoldo Wiens e o ministro Luis Rojas. Ezequiel também falou de Jorge Rafaat Toumani, referindo-se a ele como um dos “patrões” da fronteira.

 

Em 6 de julho de 2015, quando apreenderam aviões no Aeroporto de Pedro Juan Caballero, versões de fontes antidrogas indicaram Rafaat como um dos proprietários das aeronaves e anunciaram que o investigariam. Já em 2016, em 11 de março, policiais do Departamento Contra Delitos Econômicos e Financeiros confiscaram em Pedro Juan Caballero duas propriedades de Jorge Rafaat Toumani.

 

No mesmo ano, as autoridades paraguaias conseguiram “abortar” um atentado contra Rafaat que teria sido articulado pelo PCC. Lembrando que os pistoleiros foram perseguidos e tiveram de abandonar, no lado brasileiro, um caminhão blindado e com uma metralhadora .50. Supostamente, com esse armamento seria usado para atacar a fortaleza de Rafaat, porém, a manobra não deu certo e os bandidos terminaram sendo perseguidos pelos comparsas de Rafaat, quem, segundo se presume, anteciparam o ataque com ajuda da Polícia local.

 

No mês de abril de 2016, foi descoberto um arsenal no Bairro Villa Aurélia, em Assunção, capital do Paraguai, o que deu origem a suspeita de que o fato teria ligação com os pistoleiros perseguidos um mês antes. A partir de então, a Secretária Nacional Antidrogas (Senad) tinha recolhido informações precisas que ajudaram a desbaratar a organização internacional de tráfico de armas, supostamente dirigida pelo empresário Carlos Federico León Ocampos.

 

Posteriormente a esses fatos, Rafaat, quem supostamente era o alvo do atentado em Pedro Juan Caballero, protagonizou uma briga com pessoas fortemente armadas em um posto de combustíveis. Em 11 de abril de 2016, uma reportagem do ABC Color anunciava que uma verdadeira “guerra” aparentemente se avizinhava na fronteira seca paraguaio-brasileira.

 

Essa dedução se deu baseada na descoberta de grandes arsenais e veículos blindados durante as investigações efetuadas em Pedro Juan Caballero e Assunção por parte da Senad e Polícia Nacional. Aparentemente, as previsões se cumpriram, por trás do atentado que acabou com a vida de Rafaat no dia 15 de junho.