Depois de “mandar” em TV e ocultar R$ 33,8 milhões, Amorim e filhas vão a julgamento

Passados cinco anos, finalmente o empresário João Amorim, as três filhas e a sócia Elza Cristina Araújo dos Santos vão a julgamento por ocultar R$ 33,858 milhões na compra de duas fazendas na 3ª Vara Federal de Campo Grande. O recebimento da denúncia e do processo chegou a ser suspenso por sete vezes e, conforme a denúncia do MPF (Ministério Público Federal), a fortuna foi desviada dos cofres públicos estaduais na gestão do ex-governador André Puccinelli (MDB).

Na época a investigação da Polícia Federal flagrou um dos sócios da TV Morena, afiliada da Rede Globo, André Luiz Calarge Zahran,  em interceptações telefônicas realizadas pela PF (Polícia Federal) negociando com o empreiteiro João Krampe Amorim, pivô da Operação Lama Asfáltica, e com Elza Cristina Araújo dos Santos, apontada como administradora do esquema de fraudes em licitações.

De acordo com a PF, o trio negocia diversos encontros, sendo que, no dia 15 de maio de 2014, André Zahran cobra Amorim o possível pagamento de propinas. Em retorno, o empreiteiro cobra a interferência em uma série de reportagens exibidas pelo telejornal local.

Veja a transcrição da conversa.

André: Alô?

João: Doutor André. O senhor vai bem?

André: Tudo bem com o senhor?

João: Tudo bem. Agora ouvindo a sua voz melhor ainda. [Risadas]

André: É dia quinze, liguei só para falar que é dia quinze hoje.

João: É hoje?

André: É, João, é.

João: E você me liga de manhã! Não podia ligar meia-noite?

André: Não, João.

João: Oh, André, deixa eu te pedir um favor.

André: Não começa…

João: Foi TV morena lá no…

André: Aonde?

João: Lá no lixão.

André: Ih, de novo?

André: Ah, vou falar. Ah, vou falar, eu vou lá agora. Eu vou lá agora.

O JULGAMENTO

O julgamento ficará a cargo do juiz federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira, que já marcou o dia 27 de outubro os depoimentos das testemunhas de acusação. João Amorim e Elza dos Santos indicaram 250 testemunhas de defesa, mesmo sabendo que só poderiam indicar 16, enquanto a filha do empresário, Ana Lúcia Amorim, indicou 17 testemunhas, sendo 12 moradores do Rio Grande do Sul, onde residiu por um tempo.

Conforme a denúncia, João Amorim, suas três filhas – Ana Paula Amorim Dolzan, Renata Amorim Agnoletto e Ana Lúcia Amorim – e sua sócia Elza dos Santos ocultaram R$ 33,858 milhões na compra de duas fazendas. A Jacaré de Chifre, em Porto Murtinho (MS), foi comprada por R$ 30 milhões, divididos em seis parcelas, por meio da Idalina Patrimonial, em nome das filhas, mas negociada diretamente pelo empresário.

Já a Fazenda Santa Laura, em Jaraguari (MS), foi adquirida por R$ 3,858 milhões em 12 parcelas. Essa fortuna teria sido desviada dos cofres públicos por meio da suposta organização criminosa chefiada por Amorim, ao lado do ex-secretário estadual de Obras, Edson Giroto, e do ex-governador André Puccinelli.

O MPF aponta que os superfaturamentos e desvios ocorreram em sete obras: pavimentação e drenagem da Avenida Lúdio Coelho, na Capital; pavimentação da MS-430, entre São Gabriel do Oeste e Rio Negro; construção da MS-040, entre Campo Grande e Santa Rita do Pardo; manutenção de vias não pavimentadas; ampliação da rede de esgoto em Dourados; pavimentação de 104 quilômetros da BR-359; e contratos fictícios de locação de máquinas entre a Proteco e a Agesul.

A denúncia foi recebida pela 3ª Vara Federal há quatro anos, no dia 5 de julho de 2016, mas o desembargador Paulo Fontes, da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, suspendeu a ação penal em sete ocasiões. O maior problema para o juiz federal, PF e MPF foi o inquérito 398/2012, aberto para apurar pagamento de propina e corrupção na licitação do lixo vencida pela Solurb. A defesa queria acesso integral ao inquérito, que tramitou em sigilo no TRF3 e na 5ª Vara Federal de Campo Grande.

A batalha entre defesa e acusação causou desalento no juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, que chegou a fazer longo despacho, no qual desabafou e expôs o desânimo com a situação. A situação era tão surreal, que o advogado de João Amorim, Alberto Zacharias Toron, conseguiu suspender o processo pedindo acesso ao inquérito do lixo nesta ação. Em outra frente, como advogado da ex-deputada estadual Antonieta Amorim (MDB) na ação do lixo, ele pedia acesso integral ao inquérito da Lama Asfáltica.

O processo voltou a tramitar normalmente em outubro do ano passado, quando o TRF3 deu vitória ao Ministério Público Federal e determinou a retomada da ação da penal. O juiz Bruno Cezar marcou os depoimentos das testemunhas de acusação e da defesa de Ana Paula e Renata Agnoletto, que vão ocorrer entre os dias 27 de outubro e 5 de novembro deste ano.

Em seguida, o magistrado decidirá sobre as testemunhas de João Amorim, Elza Cristina e Ana Lúcia e o interrogatório dos réus. Eles podem ser condenados a devolver R$ 33,8 milhões aos cofres públicos – o valor atualizado seria de R$ 62,8 milhões – e condenados 27 vezes pelo crime de lavagem de dinheiro. Esse seria o segundo julgamento de Amorim na Lama Asfáltica. O primeiro, decorrente da Operação Aviões de Lama, estava na fase final, quando o TRF3 decidiu encaminhar para a 1ª Vara Criminal de Campo Grande, onde já tramitam 10 ações sem sentença há cinco anos.