Após ser condenado a indenizar paciente por infecção hospitalar, El Kadri volta a ser denunciado

Em maio de 2017 o Hospital El Kadri de Campo Grande foi condenado pelo TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) a pagar indenização de R$ 300 mil a ex-triatleta que contraiu infecção hospitalar após cirurgia realizada no joelho em 9 de dezembro de 2009. Passados 18 meses do ocorrido, a unidade médica a ser alvo de uma nova denúncia por infecção hospitalar.

Agora, conforme documentos encaminhados ao Blog do Nélio, a vítima do Hospital El Kadri de Campo Grande é uma professora e geógrafa de Corumbá (MS), que, após passar por uma cirurgia de hérnia lombar, contraiu infecção hospitalar dentro da unidade médica. Trata-se de Sildia de Lima Souza, 61 anos, que no último dia 15 de outubro começou o seu martírio provocado pela infecção adquirida no hospital da Capital.

A paciente de hérnia lombar submeteu-se a uma cirurgia no dia 15 de outubro deste ano e recebeu alta 24 horas após a delicada intervenção cirúrgica. Após o procedimento e já em casa começaram as dores, que, a princípio, o médico tratou com medicamentos orais e depois foi para a morfina.

Como as dores ficaram insuportáveis e com o diagnóstico de infecção hospitalar, o médico abriu a cirurgia, limpou e deu alta novamente em menos de 24 horas. A paciente voltou para a casa do filho e as dores persistiram mais fortes ainda, contudo o médico tinha viajado sem deixar substituto. Os familiares então aconselharam Sildia a tratar em outro hospital.

Ela foi para o Hospital da Cassems, em Campo Grande, com obstrução intestinal e pielonefrite, que é uma infecção do trato urinário, geralmente causada por bactérias vindas da bexiga, que atinge os rins provocando inflamação. Após ressonância magnética, teve que ser aberta novamente para retirada da secreção e coleta da bactéria, posteriormente identificada como “Serratia marcescens”, que é perigosa para o homem, já que as vezes é patógena, causando infecções hospitalares e urinárias.

A paciente ficou internada mais de uma semana, inclusive passando pelo isolamento. O médico decidiu dar alta e fazer home care (tratamento domiciliar) com antibióticos potentes. Novamente com dores, Sildia fez outra ressonância e novamente outra punção, sendo que, ao todo, foram três cirurgias e duas punções em menos de um mês.

Com diagnóstico de osteomielite, quadro inflamatório que afeta um ou mais ossos, geralmente provocado por infecção bacteriana ou fúngica, a paciente teve de fazer um corte no pescoço para tomar medicamentos, pois as veias estouram. A família entrou e contato com o Hospital El Kadri, que mandou fazerem uma denuncia formal e que não iriam responder nada.

Para a filha da paciente, eles foram ainda mais categóricos: “vocês (familiares) podem nos processar”. Na sexta-feira (23), a geografa foi submetida a uma nova tomografia no Hospital da Cassems, constatando a infecção hospitalar, sendo que as dores não param e a paciente está sem se alimentar normalmente.

A filha dela, L.S.C., que veio de Corumbá com o pai cuidar da mãe, falou ao Blog do Nélio que não sabe mais o que fazer ou a quem recorrer. “Toda semana tiram líquidos da coluna dela e dão remédio para dor, mas não curam e não dizem com clareza o que ela tem ou que pode ser feito para que possamos tomar outras providencias e se for o caso levá-la para São Paulo”, disse.

Sildia é professora da rede pública, já foi da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e é geógrafa com mestrado pela Universidade. A família esta desesperada com a situação e a aflição já causou um infarto na mãe da professora, Deonizia Galharte de Lima, 85 anos, que passou cinco dias na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) de Corumbá. O Hospital El Kadri, que seria o responsável, não quer se pronunciar. O médico tem dado todo atendimento, mas o medo da família é que a geógrafa não resista mais a tantas intervenções. “O estado é grave e ela passa os dias chorando de dor sem mover um músculo”, disse a filha LSC.

 

Reincidência

O problema de infecção hospitalar no Hospital El Kadri de Campo Grande não é novidade e a unidade médica já foi até condenada pelo TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) em maio de 2017 a pagar indenização de R$ 300 mil a ex-triatleta que contraiu infecção hospitalar após cirurgia realizada no joelho. De acordo com os autos, em 9 de dezembro de 2009, o paciente realizou uma cirurgia de reconstrução de ligamentos cruzados do joelho direito, por meio de vídeo, e já no dia seguinte recebeu alta.

Ele retornou ao hospital 10 dias depois, reclamando de fortes dores, sendo constatada a infecção por bactérias (osteomielite), que não permitiam a regular cicatrização da cirurgia, o que levou a necessidade de realização de outras 24 cirurgias no local, ao longo de nove anos. O ex-triatleta processou o hospital requerendo dano moral de pelo menos 200 salários mínimos. O hospital se defendeu afirmando que não teve nenhum outro registro de infecção por Microbactéria de Crescimento Rápido (MCR) entre os anos de 2005 e 2011.

Disse ainda que, dentre as 31 cirurgias realizadas na mesma data do procedimento do autor, somente o ex-triatleta apresentou problema. A unidade médica apontou que mantém uma equipe para controle de infecção hospitalar e equipamentos de última geração que realizam a esterilização dos materiais cirúrgicos. O hospital também salientou que o paciente sofreu processo infeccioso fora da unidade, e não uma infecção hospitalar. Foi realizada perícia judicial constatando que a infecção é decorrente da cirurgia e não foi adquirida fora do ambiente hospitalar, como sustentava o El Kadri.

O relator do processo, desembargador Alexandre Bastos, ressaltou, em sua decisão, que o hospital assumiu o risco em liberar o paciente no dia seguinte ao procedimento cirúrgico, confessando ainda, de forma expressa, que havia alto risco de infecção no pós-operatório e, assim, “assumiu um risco provável e risco esse que traz o nexo causal, necessariamente”.

No entender do desembargador, o hospital mostrou-se altamente negligente, sabedor dos riscos de infecção causada por cirurgia realizada por vídeo e, ainda assim, assumiu a responsabilidade em liberar o paciente no dia seguinte ao procedimento. Por esses motivos, o relator deu provimento ao recurso do ex-triatleta para majorar o valor do dano moral para R$ 300 mil, acrescidos dos encargos, percentuais e periodicidade contidos na sentença.

 

Insatisfatório

O Hospital El Kadri de Campo Grande está na relação de 11 hospitais, entre públicos e particulares da Capital, com maiores riscos de infectarem os pacientes com infecção hospitalar de acordo com relatórios feitos pela Vigilância Sanitária Municipal e entregues ao MPE (Ministério Público Estadual).

Além do El Kadri, também foram considerados “insatisfatórios” a Maternidade Cândido Mariano, Santa Casa de Campo Grande, Hospital Universitário, Clínica Campo Grande, Proncor, Hospital Infantil São Lucas, Hospital da Criança, Hospital da Mulher, Miguel Couto e Adventista do Pênfigo.

 

A Vigilância encaminhou relatórios das inspeções feitas em hospitais desde 2009 e a conclusão da Promotoria de Justiça de Saúde Pública é de que é preciso melhorias para que a situação não chegue ao nível mais crítico. A solução apontada é de que os hospitais estruturem corretamente as CCHIs (Comissões de Controle e Infecção Hospitalar).

 

Entre as irregularidades encontradas nos hospitais estão falta de controle de uso de antibióticos, problemas com limpeza, armazenamento irregular de medicamentos, luvas a serem usadas armazenadas em recipientes abertos e falta de mapeamento quando detectada alguma bactéria.

O mapeamento de bactéria funciona mais ou menos assim: cabe ao profissional da comissão anotar a data, o setor e qual o tipo que foi detectada. O controle do uso de antibióticos é fundamental para evitar que, em caso de infecção, o medicamento utilizado no combate seja eficaz.