Apocalipse que vai do Paraíso, Purgatório ao Inferno

Por Ernesto Ferreira

 

Paraíso
“Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim nos corpos, como nas pernas, que, certo, pareciam bem assim.
Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como eles, que não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma coxa, do joelho até o quadril, e a nádega, toda tinta daquela tintura preta; e o resto tudo da sua própria cor. Outra trazia ambos os joelhos, com as curvas assim tintas, e também, os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia nenhuma vergonha.”
Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal D. Manuel, comunicando o achamento da ilha de Vera Cruz.

Purgatório
Canto I

As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana

Por mares nunca de antes navegados
Passaram além da Taprobana
Em perigos e guerras esforçados
mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

É também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
Os Lusíadas, Luís de Camões

Inferno
IV
Era um sonho dantesco… O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros…estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastados,
Em ânsia e mágoa vãs!

É ri-se a orquestra irônica, estridente.
É da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais…
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos…o chicote estala.
E voam mais e mais…

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o Capitão manda a manobra,
E após fitando o Céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!”

E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais…
Qual um sonho dantesco as sombras voam! ….
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás! ….

Apocalypse Now – Canudos – Brasil
“Essa é apenas uma batalha, travada pela elite parasitária que vive à beira do Atlântico, armada pela indústria bélica Alemã, com o único objetivo de exterminar todas as raças sertanejas deste país”
Euclides da Cunha, dezembro de 1902.

42.416 brasileiros morreram vitimados por armas de fogo em 2012.

24.882 eram jovens de 15 a 29 anos(59% do total)

28.946 eram negros(quase o triplo de brancos)

10% de todas as mortes por arma de fogo do mundo ocorreram no Brasil.

Acho que faz sentido essa anti-história, talvez inspire a nós para sonhar com uma civilização que honre o paraíso que Caminha encontrou, que redima a violência da colonização Lusitana sem piedade, em nome de Deus e liberte às nossas mentes do horror da escravidão negra, que explica o nosso Apocalypse de agora.