MPE recorre de decisão que livra possível ‘espião’ de Olarte no TJ, usa gravação e pede condenação

O MPE (Ministério Público Estadual) ingressou com recurso de apelação contra a decisão do juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, de inocentar, por falta de provas, o oficial de Justiça Mauro Lino Alves Pena na Ação Civil Pública que condenou o ex-prefeito de Campo Grande, Gilmar Olarte, pela prática de ato de improbidade administrativa em razão de ‘espionagem’ no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) e por ter descoberto com antecedência a Operação Coffee Break, desencadeada pelo Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

Segundo informações obtidas pelo Blog do Nélio junto ao MPE, o oficial de Justiça, mais conhecido como “Maurão” no meio político de Campo Grande, seria o verdadeiro “espião” da história, e, graças à decisão judicial, vai continuar à frente da Central de Intimações do TJMS.

O ex-prefeito teria encomendado a suposta espionagem no TJMS a “Maurão”, pois, como ele tinha acesso fácil ao Tribunal de Justiça,saberia, em tese, a respeito do que estava para acontecer contra Olarte e ao então secretário municipal de Finanças, o ex-procurador-jurídico da Câmara de Vereadores da Capital, André Scaff.

Às vésperas da Operação Coffee Break, Maurão teria alertado Gilmar Olarte, que repassou a informação para André Scaff. De posse da informação privilegiada, Olarte e Skaff, sabendo que estavam na mira da Justiça e na iminência de serem presos, fugiram para um esconderijo nada convencional: um motel de uma cidade do interior próxima à Capital, conforme às investigações do Gaeco.

A decisão

No entanto, para o juiz David de Oliveira Gomes Filho, não concorda com a acusação proferida pelo MPE de que o oficial de Justiça Mauro Lino Alves Pena tenha fornecido informações sigilosas do processo judicial que tramitava em segredo de Justiça no TJMS e que veio a ser denominado pelo Gaeco de “Operação Coffee Break”.

O magistrado, porém, reconhece que Gilmar Olarte obteve as informações do tal processo e beneficiou-se delas, frustrando a condução coercitiva decretada contra sua pessoa e apagando mensagens do aparelho celular posteriormente apreendido. Entretanto, conforme narrado pela defesa, dias antes da “Operação Coffee Break”, pelo menos um blogueiro já adiantava que algo estava para acontecer naqueles dias.

“A defesa trouxe cópias de páginas e de conversas em redes sociais em que o Sr. Fernando Soares alertava sobre uma prisão que se aproximava: informações chegando que vão pedir o afastamento de mais de 20 vereadores que receberam propina para caçar o Bernal! Para começar!”, traz o comentário do juiz.

Mesmo assim, ainda conforme o magistrado, as suspeitas recaíram no oficial de Justiça Mauro Lino quando as conversas apagadas do aparelho celular de Gilmar Olarte foram recuperadas. “Lá percebeu-se que o Sr. Mauro Lino mantinha um contato diário com o requerido Gilmar Olarte e que havia alguma cumplicidade entre eles naqueles dias, ou seja, entre 12/08/15 a 25/08/15. Além do mais, se as conversas eram inocentes, não haveria a necessidade de apagá-las. Ficou claro destas mensagens recuperadas que Gilmar Olarte pedia um empenho de Mauro Lino e era informado sobre os boatos a respeito da operação, certamente através de mensagens de sua esposa (Andrea Olarte) e, talvez, através do oficial Mauro Lino”, transcorre.

No entender do juiz, essa mesma mensagem foi compartilhada, no mesmo dia, por Gilmar Olarte com Mauro Lino, demonstrando a cumplicidade de ambos, o interesse de ambos neste tema, mas também a novidade que ela representava para Mauro Lino, já que dela não sabia. “Na narrativa dos fatos que o processo revela, existe uma figura que parece ser um ponto chave para se desvendar o mistério. É a pessoa denominada por Mauro Lino de ‘amigo’. Era alguém que provavelmente tinha informações e que as repassava a Gilmar Olarte através do oficial de Justiça Mauro Lino”, apontou, completando que é possível dizer que os três formam um trio muito suspeito e que existe uma probabilidade de que tivessem se associado para ajudar Gilmar Olarte e atrapalhar o caminho da Justiça.

Em alguns momentos, Mauro Lino está com o “amigo”, em outros ele vai falar com o “amigo”, em outros ele marca uma reunião entre Olarte e o “amigo” e existe um momento em que Mauro Lino chega a ser chato na insistência de que alguém o está pressionando para receber alguma coisa. “A versão de que as conversas diárias que Mauro Lino mantinha com Gilmar Olarte era para tratar de assuntos religiosos não conferem com o entorno daqueles dias de tensão e de medo de prisão. Aliás, ambos se contradizem nos depoimentos pessoais, pois, em dado momento, Mauro Lino disse que procurava Gilmar Olarte para tratar de assuntos administrativos da igreja e para obter cesta básica para entregar a alguém necessitado, mas estas informações não são confirmadas por Gilmar Olarte”, revelou o magistrado.

Ele completa que não há dúvida de que ambos mentiram no depoimento judicial. “Acontece que os elementos reunidos acima demonstram mentira, demonstram que escondem algo, demonstram que eram cúmplices em alguma coisa que não foi revelada e que provavelmente é ilícita, demonstram que Mauro Lino prestava favores a Gilmar Olarte, mas não demonstram que o fato trazido a juízo foi efetivamente comprovado, ou seja, que Mauro Lino descobriu qual era a decisão prolatada em sigilo pelo douto relator da medida cautelar. Como dito anteriormente, ficou claro que Gilmar Olarte ficou sabendo antecipadamente da decisão e se preveniu, buscando atrapalhar deliberadamente as investigações, mas não ficou claro que o Sr. Mauro Lino foi o portador desta informação para Gilmar Olarte, apesar da cumplicidade de ambos”, traz a decisão.

O juiz ainda ressalta que as mensagens revelam que foi Andrea Olarte quem alertou o marido, Gilmar Olarte, e foi ele quem comunicou isto ao oficial Mauro Lino. “É preciso registrar que existem mensagens do requerido Gilmar Olarte para o requerido Mauro Lino, mandando ele ‘monitorar o TJ’ ou então falando para ele ‘vigiar’ ou para ele ‘ver as coisas aí, ok?’ ou para ‘cuidar’. As determinações de Gilmar são muito sugestivas, mas, como já foi dito, apesar do tal monitoramento e vigia, quem informou a existência de um pedido cautelar foi o Olarte para o Mauro e não o contrário”, comparou.

Confira abaixo, na íntegra, as transcrições das mensagens recuperadas do celular de Gilmar Olarte:

– 08/08/15 – Advogado Jail Azambuja manda uma mensagem para Gilmar: “Bom dia. Por favor, avise o Fábio Leandro que precisa transmitir a petição. Está com a Kátia. Preciso falar com ele, peça para me ligar agora. Mensagem Mauro. Use outro celular”.

– Nos dias 07, 08 e 09 de agosto de 2015 Gilmar Olarte e Mauro Lino trocam mensagens marcando um encontro no estacionamento subterrâneo da Padaria Tietê, na Avenida Mato Grosso, e, posteriormente, no Mercado Municipal.

– 12/08/2015 – Data em que houve o protocolo da medida cautelar de busca e apreensão, condução coercitiva e suspensão do exercício da função pública no Tribunal de Justiça. No mesmo dia, o oficial de Justiça Mauro Lino manda uma mensagem para Gilmar Olarte: “Precisa de alguma coisa?” O Gilmar Olarte responde: “Cuida!”

– 13/08/15 – Gilmar Olarte manda uma mensagem para o oficial de Justiça Mauro Lino: “Vê as coisas aí, ok?” O Mauro Lino responde: “Ok”

– 14/08/15 – oficial de justiça Mauro Lino manda uma mensagem para Gilmar Olarte: “Coisa boa! Ok?” O Gilmar Olarte responde: “Ok” O Mauro Lino responde: “Hora que der me avisa. Preciso falar com você”. O Gilmar Olarte responde: “Ok” Às 15:03 h deste mesmo dia 14/08/2015 o Sr. Mauro Lino informa que já está no gabinete e o Sr. Gilmar Olarte avisa que está chegando. Às 18:59 h deste mesmo dia 14/08/2015 o Sr. Mauro Lino questiona se o Sr. Gilmar Olarte irá viajar ou se ele pode confirmar com o amigo para o dia seguinte. “Confirmo para amanhã? Ou você vai viajar?”

– 17/08/15 – Gilmar Olarte impetrou habeas-corpus preventivo junto ao Superior Tribunal de Justiça. No mesmo dia e também nos dias 18 e 19 de agosto de 2015, o oficial de Justiça Mauro Lino manda mensagens insistentes ao Sr. Gilmar Olarte, informando que precisa de “algo” com urgência porque estaria sendo cobrado. “Estou precisando muito para hoje. O rapaz não me deixa em paz, liga toda hora. Por favor me ajuda, tem que ser até as três horas de hoje”. Se encontram no gabinete dele no dia 19 de agosto de 2015.

– 20/08/15 – Gilmar Olarte manda uma mensagem para o oficial de Justiça Mauro Lino: “Oi. Monitora no TJ” O Mauro Lino responde: “O amigo mandou vigiar, ok?” O Gilmar Olarte responde: “Vou mandar umas informações” Gilmar Olarte manda, então, as mensagens que recebeu de Andreia Olarte (sua esposa) no mesmo dia. A mensagem é a seguinte: “Preste atenção! Tá preocupado com o habeas corpus, vai entrar com pedido de prisão. Disse que, com isso, a mídia junto da população vão entender que tem que afastar. Ele disse que vai botar fogo no rabo do gato e soltar. E Gilmar, quer fazer barulho para influenciar terça feira. Mais o Mário. Pressão para os vereadores…”. O Mauro Lino responde: “Rapaz, que coisa é essa?” O Gilmar Olarte responde: “Fazer barulho!” O Mauro Lino responde: “Só por Deus!”

– 21/08/15 – oficial de Justiça Mauro Lino manda uma mensagem para Gilmar Olarte: “Fui lá, quer conversar agora? Oi? Oi? Está onde? Oi? Oi? Passo aí hoje a que horas? Oi? Vou aí?” O Gilmar Olarte responde: “Sem novidades” O Mauro Lino responde: “Alguma coisa pelo menos?” O Gilmar Olarte responde: “Nada! Talvez amanhã” O Mauro Lino responde: “Ok”

– 24/08/15 – às 14:45 h oficial de Justiça Mauro Lino manda uma mensagem para Gilmar Olarte: “Estou indo aí. Preciso falar agora. Oi. Oi. Ok? Está onde? Está onde? Estou indo aí” O Gilmar Olarte responde: “Ok. Vem” Às 17:56h o oficial de Justiça Mauro Lino manda uma mensagem para Gilmar Olarte: “Estou indo lá, tem mais alguma coisa para dizer? Oi? Oi? Oi? Ok” Às 20:34h Gilmar Olarte manda uma mensagem para o oficial de Justiça Mauro Lino: “Maurão! Preciso que seja citada uma pessoa” O Mauro Lino responde: “Fala, quer que vou aí? O Gilmar Olarte responde: “Outgoing call” O Mauro Lino responde: “Estou aqui no amigo” O Gilmar Olarte responde: “Sim” O Mauro Lino responde: “Sala cheia. Te ligo” O Gilmar Olarte responde: “Ok” O Mauro Lino responde: “Daqui a pouco estou indo aí”

– 25/08/15 – As medidas cautelares deferidas pelo desembargador Luiz Cláudio Bonassini da Silva foram cumpridas nas primeiras horas da manhã do dia 25/08/15. O Sr. Gilmar Olarte não foi encontrado em casa pelos oficiais de Justiça. Alguns vereadores que foram conduzidos para depoimento naquela manhã trocaram mensagens minutos antes da condução coercitiva, valendo destacar a mensagem que o vereador Carlão postou, às 05:00 h, no grupo “Câmara Unida”: – “Bom dia. Aguardando um amigo vir aqui em casa tomar um mate”. A esta mensagem seguiu-se o “bom dia” de vários vereadores madrugadores. Às 14:23h o oficial de Justiça Mauro Lino manda uma mensagem para Gilmar Olarte: “Oi” O Gilmar Olarte responde:”Estou no escritório do Valeriano”.

As transcrições terminam.