Alguém apostava nisso? Uma semana depois e integrantes de uma “milícia” continuam presos

Uma semana depois da maior operação policial e do MPE (Ministério Público Estadual) contra o crime organizado em Campo Grande (MS), os chefões do “jogo bicho” em Mato Grosso do Sul continuam presos e muita gente duvidou disso. Na manhã do dia 27 de setembro, a “Família Name”, chefiada pelo empresário Jamil Name em parceria com o filho Jamil Name Filho, sofreu um duro golpe com as prisões de pai e filho, além de outras 18 pessoas, por terem criado uma milícia para dar sustentação à atividade no Estado, conforme apontam as investigações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e que culminaram com a “Operação Omertà”.

Jamil Name, o filho e Fahad Jamil

A dupla comandava a organização criminosa especializada em execuções de desafetos da família em negócios e em questões pessoais, agindo por pelo menos uma década em Campo Grande e que foi criada usando a experiência no comando dos jogos de azar na cidade, especialmente, o “jogo do bicho”. A peça em que o Ministério Público faz a denúncia contra todo esse esquema tem 303 páginas e está recheada de histórias e detalhes sobre a forma de atuação de “milícia”, que agia no extermínio de desafetos. O trabalho dos investigadores foi muito bem feito com detalhes de várias execuções, pagamento de propinas entre outras revelações que o caso suscita.

Com a divulgação da denúncia do Gaeco, também veio à tona os nomes de alguns políticos envolvidos com a “Família Name”. Trata-se dos vereadores Valdir Gomes (PP) e Ademir Santana (PDT), ambos de Campo Grande, o deputado estadual Jamilson Name (PDT), também filho de Jamil Name, e o ex-governador Zeca do PT, que também é ex-deputado estadual, ex-deputado federal e ex-vereador.

Os quatro são citados no documento de representação de prisão preventiva do Gaeco na Justiça do Estado, o qual pede as prisões preventivas e temporárias de empresários, guardas municipais, policiais civis, militares e federais envolvidos em um suposto esquema de milícia investigado na “Operação Omertá”. De acordo com o documento anexado à ação que tramita no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), os empresários Jamil Name e Jamil Name Filho são líderes de uma milícia que contém diversos integrantes (da ativa e aposentados) da segurança pública envolvidos em organização criminosa voltada à prática dos crimes de milícia armada, porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, homicídio, corrupção ativa e passiva, entre outros.

O processo com mais de mil páginas traz também nomes de políticos conhecidos no Estado e na Capital. Cheques, fita de gravação, nota promissória, cadernos, dinheiro e celulares estão entre os objetos apreendidos na casa de Jamil Name. Conforme relatório do MPE, um dos cheques está em nome de José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, no valor de R$ 100 mil. O cheque estava no quarto do apontado como um dos chefes da organização criminosa envolvida em execuções em Campo Grande.

No quarto de Jamil Filho, além de cadernos, tinham R$ 137,3 mil em espécie, enquanto na gaveta da sala de estar, estavam R$ 6,3 mil e, em um cofre no escritório, R$ 20 mil e 640 euros. Três celulares também foram apreendidos. O nome do deputado estadual, filho e irmão, respectivamente, dos acusados de serem os líderes do suposto grupo, Jamilson Name, aparece em uma conversa telefônica atribuída, de acordo com o MPE, ao advogado criminalista Renê Siufi, em que o defensor teria sugerido que seria melhor Jamil Filho “rapá o pé”, fugir. Jamilson faz a interlocução entre o advogado e a família.

A conversa é após a prisão do guarda municipal Marcelo Rios, que mantinha sob sua custódia arsenal bélico consistente em fuzis calibres 762, 39 e 556, pistolas, revólveres, espingardas, munições e acessórios de armas de fogo, além de equipamentos usados em ações de inteligência policial, como bonés com câmera oculta e bloqueadores de sinal eletromagnético (tornozeleira eletrônica) e silenciadores de fuzis.

Com relação aos vereadores, Valdir Gomes é citado durante uma suposta fuga de Name Filho para Ponta Porã. Gomes vai à cidade e se encontra com o investigado, conforme mensagens atribuídas ao vereador e à mãe e esposa, respectivamente, dos presos, Tereza Name, também ex-vereadora. Ele diz a Tereza que esteve no cassino em Ponta Porã, teria conversado com seu filho e fala que Jamilzinho, como é conhecido, teria ganhado R$ 66 mil.

Gomes conta também o resultado da votação do projeto da Previdência encaminhado pelo prefeito Marcos Trad (PSD), Valdir fala que sete vereadores votaram contra. E ela destaca que falou com o vereador Ademir, citado em outro momento no envolvimento de compra de uma chácara e que tem uma casa registrada em seu nome que foi utilizada por um militar reformado, o qual teria participado de agiotagem e comércio ilegal de munições em envolvimento da família Name, de acordo com o Gaeco.

Ainda de acordo com MPE, um servidor público que devia ao suposto agiota estaria fazendo um negócio de compra e venda de uma chácara, “cujo de fato o comprador seria Jamil Name, porém, a aquisição seria escriturada para a pessoa conhecida como Ademir, o qual estaria encarregado de lhe repassar o valor que lhe coubesse no negócio”. Segundo ligação interceptada durante a investigação, o servidor diz para o agiota que já sabe como pagar o que deve.

“Chegou à solução, nós vamos receber do seu Jamil Name, tá? O nosso dinheiro. Qual a solução: eu vou passar um hectare de terra do Miguelzinho Bueno pro Ademir e vai pagar oito de R$ 5 mil pra mim. Eu telefonei para ele agora e não atendeu o telefone e não sei se ele está viajando ou não, aí ele vai ficar do lado do velho. Aí segunda-feira eu já vou ver se passo a escritura para ele, ele topando uma de cinco aí te passo R$ 5 mil e não te devo mais nada”, diz o documento, que se refere à área que fica na saída para Rochedo.

Além de Jamil Name e Jamil Name Filho, a ação policial prendeu outras 18 pessoas, entre policiais civis, guardas civis municipais, um policial federal e funcionários do clã Name, sendo que ainda têm dois foragidos, apontados como pistoleiros do grupo. A manifestação do Gaeco pedindo a prisão de todas essas pessoas e a realização de buscas em 21 endereços ligados à organização criminosa cita logo em seus primeiros trechos a exploração dos jogos de azar pelo empresário que, oficialmente, se declara como pecuarista.

Os quatro promotores de Justiça responsáveis pela peça, de mais de 300 páginas, afirmam ser “fato público e notório a ligação da família com a exploração de jogos de azar, em especial com o jogo do bicho, mercado ilegal no qual atua há anos”. Em outra página está escrito, sobre os suspeitos, que “valendo-se da estrutura organizacional utilizada para manter o jogo do bicho, criaram unidade de pessoas que gozavam de expertise e de um grau maior de confiança, para praticar uma série de homicídios em Mato Grosso do Sul, principalmente na Capital”.

Os promotores citam, também, o fato de Jamil Name Filho ter sido preso em operação da Polícia Federal, em 2007, contra a máfia da jogatina, a Xeque-Mate. Farto em imagens e transcrições de conversas interceptadas, o documento cita mais cinco nomes de vítimas de execuções, além das mortes que deram início à força-tarefa do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assalto e Sequestro) para investigar a correlação entre as execuções do chefe de segurança da Assembleia Legislativa, Ilson Martins Figueiredo, 62 anos, do ex-segurança do traficante Jorge Rafaat, Orlando Silva Fernandes, o Bomba, de 41 anos, e do estudante Matheus Coutinho Xavier, assassinado por engano no lugar do pai, o policial Paulo Roberto Teixeira Xavier. Os crimes ocorreram entre junho do ano passado e abril deste ano.

As outras mortes são do empresário Marcel Hernandes Colombo, de 31 anos, executado em um bar na Fernando Corrêa da Costa, em outubro do ano passado, do delegado Paulo Magalhães, assassinado em 2013, quando buscava a filha na escola, do policial Humberto Aparecido Rolon, vítima de execução no ano de 2011 e ainda do empresário Cláudio da Silva Simeão, que levou 13 tiros de pistola 9mm, em novembro do ano passado. Na lista, ainda está citada a execução de Andrey Galileu Cunha, de 31 anos. Ele foi morto em 2012 com um tiro no pescoço, quando estava no banco do passageiro do Siena guiado por Pedro Lauro de Castro Gonçalves, na Rua Rio Grande do Sul, próximo da Escola Adventista. Andrey foi preso pelo menos 4 vezes em menos de dois anos por envolvimento com jogos de azar. Uma das prisões foi em 2007, na Xeque-Mate.

A conclusão dos promotores, a partir da investigação policial, é de que o “escritório de pistolagem” tinha caraterísticas de milícia armada, com grande força bélica, demonstrando pela apreensão de arsenal com o ex-guarda civil Marcelo Rios, em maio, logo depois da criação da força-tarefa. As armas estavam em imóvel que pertence a Jamil Name. Rios hoje está na penitenciária de segurança máxima de Mossoró (RN).

As investigações, com o uso de intercepções telefônicas, apontam Jamil Name, cujo apelido citado no texto é “Velho”, e Jamil Name Filho, também chamado de “Jamilzinho” e “Guri”, como os comandantes do grupo de extermínio e responsáveis por garantir a estrutura, desde armas e veículos até proteção. Dividido em quatro núcleos, o grupo é apontado como altamente organizado, com direito a organograma explicitado na peça processual.

Com esse pedido, o Gaeco convenceu a Justiça a determinar 23 prisões e 21 buscas. São 10 prisões preventivas, ou seja, sem prazo, e 13 temporárias, pelo período de 30 dias. Uma das prisões temporárias, do advogado Alexandre Franzolozo, suspeito de coagir testemunha, foi revogada pelo Tribunal de Justiça, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conforme escrito no documento o objetivo é, além de assegurar a conclusão das investigações, impedir que a organização coloque em risco testemunhas, pois há relatos de ameaças a pelo menos duas delas, a mulher do guarda civil Marcelo Rios, que revelou várias informações, e a filha de um dos pistoleiros do grupo.

Prazo

Até agora, os pedidos de habeas corpus não foram atendidos pelo Judiciário. Conforme a reportagem apurou, o Gaeco tem 10 dias para apresentar a denúncia formal contra os envolvidos, por se tratarem de pessoas presas. Esse prazo termina no dia 9 de outubro.

Ainda não está claro como o Gaeco vai proceder contra as denúncias, se fará tudo em um processo só ou se vai desmembrar, por exemplo, as acusações contra os homens apontados como os dois pistoleiros do grupo, os ex-guardas municipais Juanil Miranda Lima, e José Moreira Freires, esse último condenado como o atirador que executou o delegado Paulo Magalhães.

As 23 pessoas relacionadas como ligadas à organização, pelas provas apuradas até então, são suspeitas dos crimes de organização criminosa, porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, homicídios e outros crimes, como agiotagem.

Foram alvo de mandados de prisão preventiva os guardas municipais Alcinei Arantes da Silva, Marcelo Rios, Rafael Antunes Vieira e Robert Vítor Kopetski, o militar reformado do Exército Andrison Correia, os pistoleiros José Moreira Freires e Juanil Miranda Lima, os policiais civis Vladenilson Daniel Olmedo e Márcio Cavalcanti Da Silva, Eltom Pedro de Almeida e Flávio Narciso Morais da Silva, além de Jamil Name e de Jamil Name Filho.

Foram alvos de pedido de prisão temporária o advogado Alexandre Gonçalves Franzoloso (revogada), os policiais civis Elvis Elir Camargo Lima e Frederico Maldonado Arruda, os guardas municipais Igor Cunha de Souza, Rafael Carmo Peixoto Ribeiro, Eronaldo Vieira Da Silva, o policial federal Everaldo Monteiro de Assis, além de Euzébio de Jesus Araújo, Luis Fernando Da Fonseca e Rudney Machado Medeiros.

 

Mortes encomendadas

O grupo de extermínio liderado pelos donos do “jogo do bicho” em Mato Grosso do Sul, Jamil Name e o filho, Jamil Name Filho, teria contratar as execuções de Jorge Razanauskas, ex-Delegado Geral da Polícia Civil, e do dono do jornal Correio do Estado, Antônio João Hugo Rodrigues. O delegado e o jornalista não foram mortos apenas por arrependimento do líder. Conforme o Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assalto e Sequestros), as duas mortes foram encomendadas por Jamil Name, que chegou a pagar pelos crimes.

As missões só não foram completadas porque o líder se arrependeu e deu sinal de recuo para os pistoleiros. A confissão foi feita por um dos integrantes do grupo, Marcelo Rios, apontado como ‘gerente’ do esquema. Rios falou após ser preso com um mega arsenal de armas em Campo Grande.

Foragido

As sedes de órgãos da Polícia e do Poder Judiciário, que desencadearam, na sexta-feira (27), a força-tarefa que prendeu Jamil Name e o filho dele, Jamil Name Filho, estão com algumas faixas afixadas, as quais trazem frases com parabéns pelas prisões. Enquanto isso, a Polícia segue as buscas e oferece até recompensa a partir de R$ 2 mil a quem tiver informações sobre o paradeiro dos pistoleiros José Moreira Freitas, o “Zezinho”, e Juanil Miranda Lima, que atuavam a serviço da milícia.

Os banners dizem que “as famílias agradecem os heróis que prenderam a milícia que mata” e “queremos justiça”. Foram colocados em frente aos prédios do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assalto e Sequestros), do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), do Batalhão de Choque e na entrada do Parque dos Poderes, próximo ao TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).

Na manhã de domingo (29), dois dias depois de deflagrada a operação, uma faixa nos altos da Avenida Mato Grosso, na entrada do Parque dos Poderes, deixou muita gente curiosa. Ao lado da imagem de personagem do conto Flautista de Hamelin, com desenho também de um rato e de um gato preto, é feita a pergunta: “O que acontece com o rato que solta o gato?”

Recompensa

As fotos de procurados de Juanil e José foram divulgadas na tarde de ontem (30) pelo Garras e pelo Gaeco. Juntos, os dois formam o quarto núcleo da organização criminosa, o da execução. Segundo a investigação, eles recebiam ordens diretas de Jamil Name e Jamil Name Filho. Eram os líderes do grupo de extermínio que definiam as missões, custeavam todas as atividades do grupo e por forneciam o material necessário às execuções, como armas, munições, veículos, imóveis, dinheiro e até proteção.

A investigação encontrou provas de que juntos os pistoleiros planejaram detalhadamente a morte do capitão reformado da Polícia Militar Paulo Xavier, mas no dia 4 de abril deste ano acabaram tirando a vida do filho dele, Matheus Coutinho Xavier, de apenas 20 anos, por engano.

Para levantar informações sobre o paradeiro e rotina de Xavier, a dupla montou uma “ação de inteligência” e chegou a contratar um hacker para rastrear o capitão reformado em tempo real. O plano, no entanto, não saiu como planejado.

Em depoimento, a testemunha contou que foi contrato depois de publicar um anúncio oferecendo serviços de formatação de computadores e também de detetive. Como não sabia um jeito de rastrear a vítima em tempo real, pediu em um grupo de hackers e recebeu ajuda e outro estado.

A solução encontrada pelo desconhecido foi se passar por mulher e tentar marcar um encontro com o alvo para coletar o maior número possível de informações. Xavier, no entanto, não foi e acabou descobrindo pelo próprio hacker a verdade sobre o contato e a tentativa de emboscada. Caso tivesse aparecido, morreria cerca de um mês antes da execução do filho.

Sem sucesso com o “rastreamento remoto”, os pistoleiros passaram a rodear a casa do capitão reformado. Na época, Zezinho já estava condenado pela morte do delegado aposentado Paulo Magalhães, mas aguardava em liberdade, com uso de tornozeleira eletrônica, a decisão sobre recurso da pena definida em julgamento.

Foi justamente através do equipamento de monitoramento que a polícia conseguiu comprovar que dias antes do crime ele passou em frente ao local do crime com o mesmo carro usado na execução. Depoimentos e imagens apreendidas durante as investigações também ligam os dois ao assassinato de Ilson Martins Figueiredo, chefe de segurança na Assembleia Legislativa. Na conta de Juanil no Google Drive foram encontradas 26 fotografias da execução do policial militar, que aconteceu em junho de 2018.

Parentes do pistoleiro ainda confirmaram em depoimento ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) a participação dele nos dois crimes e detalharam que José Moreira era o responsável por arrumar os “trabalhos ilegais” para Juanil desde que eles se conheceram na Guarda Municipal.

Hoje, os dois estão com a prisão preventiva decretada, mas não são vistos desde o dia 23 de abril, quando o hacker contratado por eles foi ouvido na sede de DEH (Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de Homicídio). Conforme apurado pela reportagem, a polícia encontrou indícios de que o rapaz também seria executado pelos pistoleiros como “queima de arquivo”. No entanto, ele foi encontrado e levado para a unidade antes do crime.

Para a polícia principal suspeita é que Juanil e José Moreira tenham fugido do país. Quem tiver informações sobre o paradeiro dos suspeitos pode entrar em contato, de forma anônima, pelos telefones: (67) 98462 9173 ou (67) 3357 9500.