Ação aponta “manobra suspeita” entre Puccinelli e Maia para liberar área pública aos produtores rurais

O promotor de Justiça Marcos Alex Vera de Oliveira, da 30ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de Campo Grande, ingressou com uma Ação Civil Pública Declaratório de Nulidade de Ato Administrativo com Obrigação de Fazer em razão de irregularidade no Termo Administrativo de Permissão de Uso celebrado entre o Governo do Estado e a Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul), versando sobre a permissão de uso da área pública objeto das Matrículas nº 121.747 e nº 154.668, do Cartório de Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição de Campo Grande.

Segundo a ação, nas diligências realizadas pelo MPE (Ministério Público Estadual) foram apuradas que, em data de 30 de julho de 2013, o Estado de Mato Grosso do Sul, quando o Estado era comandado por André Puccinelli,  por meio de Termo Administrativo firmado com base na Lei Estadual nº 273, de 19 de outubro de 1981, permitiu o uso, pela Acrissul, de área pública de aproximadamente 242 mil m², localizada nas proximidades do “Autódromo Municipal de Campo Grande”, na BR-262, saída para Três Lagoas (MS), a 13 quilômetros da zona urbana.

A formalização do Termo Administrativo se deu através do Processo nº 13/000379/2013, de responsabilidade da Secretaria Estadual de Administração, instaurado em 17 de abril de 2013, mediante “Solicitação de Abertura de Processo” elaborada pelo assessor de Gestão Patrimonial Gustavo Henrique Zanella.

Um fato interessante nesse processo é que o requerimento de permissão de uso de área pública somente foi formalizado pela Acrissul em 18 de abril de 2013, ou seja, um dia após a solicitação de abertura do processo administrativo, em requerimento que continha apenas especificação da dimensão do imóvel pretendido, sem, contudo, detalhar outras características como confrontações e localização.

É certo que três meses após a deflagração do processo administrativo, foi firmado o Termo Administrativo de Permissão de Uso, no qual foi estabelecido, conforme consta na “Cláusula Primeira”, que a área pública deveria ser utilizada pela Acrissul a título precário e sem prazo determinado para “a instalação de atividades complementares, tais como, baias para provas e ganho de peso, mangueiros e tatersal, espaço para shows e rodeiros”.

No entanto, o MPE observou na cópia integral do Processo nº 13/000379/2013, que apesar da lavratura do Termo, não teria havido nos autos o lançamento de decisão motivada da autoridade administrativa que viesse a justificar, a partir de critérios que materializassem o efetivo interesse coletivo e social, a pertinência e se permitir o uso de área pública por entidade privada, no caso a Acrissul. Tampouco verificou-se no procedimento administrativo estudo que indicasse ser a área objeto do Termo de Permissão e não qualquer outra área pertencente ao Estado, a mais indicada do ponto de vista do interesse público, isto para fins de permissão de uso voltado ao desenvolvimento de atividade de associação civil.

Ainda, da análise documental evidenciou que, apesar da existência de parecer da Procuradoria-Geral do Estado orientando acerca da necessidade de previsão, no instrumento administrativo, de contrapartida pelo uso da área pública, a recair sobre a entidade permissionária, no caso, a Acrissul, o Termo Administrativo de Permissão foi omisso quanto a tal exigência, violando com isso disposição contida no art. 41, da Lei Estadual nº 273/817.

É certo que após pedido de providências formulado à época pela Procuradoria-Geral de Justiça, em data de 26 de novembro de 2014 foi providenciado o “Primeiro Termo Aditivo” ao Termo de Permissão de Uso, através do qual foi estabelecida a modificação da “Cláusula Sétima Das Obrigações da Permissionária”, para acrescentar o “Item 7.9”, especificando contrapartida referente à “implantação de atividades de interesse sociais e continuidade do projeto ‘Programa Equoterapia’ realizado em parceria com a Universidade Católica Dom Bosco (PROEQUO/UCDB)”.

Porém, ocorre que conforme apurado no Inquérito Civil do MPE, desde a lavratura do “Termo Administrativo de Permissão de Uso” das áreas públicas e seu respectivo Termo Aditivo, nunca fora exercida no local qualquer atividade de interesse público ou social, nem tampouco nenhuma atividade relacionada ao projeto “Programa Equoterapia”, realizado pela Acrissul em parceria com a UCDB.

Sobre esse aspecto, os documentos produzidos no curso da investigação revelaram que o convênio firmado entre a Acrissul e a UCDB, para o desenvolvimento de projeto de equoterapia, teria se encerrado em novembro de 2015.  Ademais, que ao tempo em que o projeto foi desenvolvido, as atividades de equoterapia eram realizadas dentro das dependências do “Parque de Exposições Laucídio Coelho”, e não na área pública objeto da permissão de uso, isso em detrimento da previsão de cláusula específica que conferia à Acrissul obrigação de desenvolver no imóvel a atividade de interesse social, bem como da disposição legal contida no art. 41, da Lei Estadual nº 273/81, que condiciona a permissão ao atendimento de interesse coletivo na utilização específica da área, sob pena de revogação ou reversão.

Outrossim, foram anexados ao Inquérito Civil cópia do PARECER TÉCNICO UNIFIC/GCF/IMASUL nº 240/201612, o qual registra não somente a degradação de Área de Preservação Permanente APP, no caso um curso d’água (nascente) existente na propriedade, como também, a existência apenas de um Campo de Polo no local, sem qualquer outra infraestrutura necessária ao desenvolvimento de atividade de interesse público ou social.

No mesmo sentido, o RELATÓRIO DE VISTORIA nº 111 DAEX/CORTEC-PGJ/201713, elaborado a partir de diligências de campo, revela que: “(…) não foram encontradas as atividades previstas no Termo de Permissão de Uso, tais como: baias para provas de ganho de peso, mangueiros e tatersal ou espaço para shows e rodeios. Nestas duas áreas, que foram objeto da permissão de uso, não existia nenhum funcionário, nem mesmo um vigia, o local aparentava estar desativado. (…)”

Em suma, desde 2013 a área cedida à Acrissul vem sendo utilizada de forma precária, em contrariedade a previsão contida no Termo Administrativo de Permissão de Uso, e para fins de desenvolvimento de atividade essencialmente privada, não enquadrada no conceito de interesse público ou social.

Tem-se a esse respeito não se constatou, tanto para a lavratura do Termo Administrativo de Permissão de Uso, nem tampouco para a lavratura de seu “Primeiro Termo Aditivo”, qualquer decisão administrativa fundamentada que visse a justificar, do ponto de vista da observância do interesse público ou social, a pertinência em ceder para associação privada a área pública, ou mesmo, com base em critérios impessoais, a inexistência de outra área pública de propriedade do Estado apta a atender a demanda.

Além disso, o MPE constatou durante a investigação que “coincidentemente”, no fim de 2012, ou seja, poucos meses antes de formular requerimento de permissão de uso, o então presidente da Acrissul, Francisco José Albuquerque Maia Costa, adquiriu imóveis na divisa com a área pública, onde supostamente seria edificada estrutura para shows, rodeios, dentro outras atividades que potencialmente valorizariam os imóveis vizinhos.

Desse modo, o promotor de Justiça pede o reconhecimento da nulidade do ato administrativo que, sem prévia decisão administrativa fundamentada que venha a justificar, do ponto de vista da observância do interesse público ou social, a pertinência da medida, permite a utilização de área pública por associação civil. Ainda, nulo é o ato administrativo que viola os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, notadamente o princípio da impessoalidade.

O MPE ainda esclarece que diante dos fatos apurados expediu a Recomendação nº 005/2017/30PJ/CGR, de 30 de setembro de 2017, dirigida ao governador Reinaldo Azambuja para que tomasse providências voltadas a revisar o ato administrativo, a partir do poder de autotutela conferido à Administração Pública. “Ocorre que apesar da recomendação e da dilação de prazo, o Estado, a quem cabe a fiscalização do cumprimento das obrigações assumidas pela permissionária, até o presente momento permaneceu inerte, tornando a judicialização do tema inevitável, notadamente para que se faça cumprir não somente a previsão contida na Lei Estadual nº 273/81, como também os princípios encartados no art. 37, caput, da Constituição Federal”, traz a ação civil.

O promotor de Justiça Marcos Alex Vera de Oliveira acrescenta também que não consta do Processo nº 13/000379/2013 qualquer decisão administrativa fundamentada que justificasse o atendimento do interesse público a ser alcançado com permissão de uso de área pública por associação civil. Ainda, somente em novembro de 2014, ou seja, mais de um ano após a assinatura do Termo Administrativo de Permissão de Uso da área, é que foi providenciado Termo Aditivo, através do qual foi estabelecida a modificação da “Cláusula Sétima Das Obrigações da Permissionária”, para acrescentar o encargo (contrapartida) referente a “implantação de atividades de interesse sociais e continuidade do projeto ‘Programa Equoterapia’ realizado em parceria com a Universidade Católica Dom Bosco (PROEQUO/UCDB)”.

Porém, as atividades de equoterapia nunca foram exercidas na área pública objeto da permissão de uso, nem tampouco qualquer outra atividade de interesse público ou social, estando a área de aproximadamente 242 mil m² desde 2013 sob uso da Acrissul, essencialmente para desenvolvimento parcial de sua atividade privada. “Aliás, conforme se percebe dos registros fotográficos materializados no PARECER TÉCNICO UNIFIC/GCF/IMASUL nº 240/2016, na área existiria apenas um ‘Campo de Polo’, o qual foi construído a pouca distância de uma nascente d’água, em situação que viola a legislação ambiental vigente. Logo, além não ter destinado a área pública ao fim pretendido, bem como de não ter cumprido com o encargo que lhe foi estabelecido no Termo de Permissão (desenvolvimento de projeto de equoterapia), a Acrissul infringiu normas ambientais ao construir um ‘Campo de Polo’ em área de preservação permanente”, ressalta.

Não fosse isso, a situação de negligência e abandono da área está retratada no RELATÓRIO DE VISTORIA nº 111 DAEX/CORTEC-PGJ/2017, elaborado a partir de diligências de campo, onde textualmente consta que o local aparenta estar desativado, sem a presença de qualquer infraestrutura ou funcionário responsável pela manutenção. Tem-se, portanto, que a inobservância das formalidades previstas na Lei Estadual nº 273/81, a falta de decisão fundamentada e inobservância do interesse público que deve nortear a permissão, fulminam de morte o Termo Administrativo de Permissão de Uso firmado entre o Estado de Mato Grosso do Sul e a Acrissul.

Como já assinalado, a permissão de uso da área pública não foi precedida de decisão administrativa fundamentada. Ademais, a prova produzida no curso da apuração evidenciou a ausência de justificativa técnica que indicasse que a permissão de uso daquela área, em detrimento de qualquer outra área pública de propriedade do Estado, melhor atenderia ao interesse público.

Aliás, a apuração evidenciou que no fim de 2012, ou seja, poucos meses antes de formular requerimento de permissão de uso, o então presidente da Acrissul, Francisco José Albuquerque Maia Costa, conhecido como Chico Maia, adquiriu imóveis vizinhos à área pública, onde supostamente seria edificada estrutura para shows, rodeios, dentro outras atividades que potencialmente valorizariam os imóveis vizinhos. Logo, permissão de uso de determinada área pública, calcada em critérios essencialmente pessoais, viola o princípio constitucional da impessoalidade como “o princípio segundo o qual a Administração Pública atua representada por seus agentes, situando-se estes como longa manus“.

Ademais, cumpre chamar a atenção para a ausência de notícia providências por parte do Estado, em relação a evidente e devidamente reportada falta de destinação da área ao fim pretendido; utilização da área para fins eminentemente privados, dissociados do interesse público e com violação a normas ambientais; e a não satisfação do encargo conferido à permissionária, no caso à Acrissul, em flagrante violação aos princípios da moralidade e eficiência. A situação de fato, portanto, reclama o controle judicial do ato administrativo, notadamente quando evidente a violação a preceitos legais e princípios administrativos.

Por todo o exposto, o Ministério Público Estadual, com alicerce no conjunto de elementos informativos colhidos em sede ministerial que instruem a presente demanda, após cognição ampla e sistemática dos fatos, requer que seja julgado o pedido PROCEDENTE para DECLARAR

NULO o “Termo Administrativo de Permissão de Uso” celebrado entre o

Estado e a Acrissul, tendo por objeto a permissão de uso da área pública, ante os destacados vícios materiais de ilegalidade inquinados, com a consequente condenação do ente público de OBRIGAÇÃO DE FAZER, consistente na retomada da posse dos imóveis e das benfeitorias eventualmente existentes;

 Ademais, o Ministério Público Estadual manifesta opção pela NÃO designação de audiência de conciliação e mediação, diante da natureza indisponível dos interesses tutelados na presente ação.

Eis a inicial da Ação: o verndadeiro “Mecanismo e o setor produtivo”.